Crónica de como fui a Sevilha para passear e acabei a correr uma Maratona

Passado e presente, lado a lado

Há cerca de 2 anos assumi com o meu amigo José Carlos Faria o compromisso de corrermos a nossa primeira Maratona. 

Decidimos que, pela data em que ocorre e pelo ambiente extra prova de que já nos tinham falado, a indicada seria a Maratona de Sevilha, em Fevereiro. Só teríamos de começar a treinar em Outubro, já ultrapassado o calor do Verão, o que facilita um pouco a tarefa.

Devo confessar que não abracei este projeto com muita alegria, apenas porque não privilegio correr em estrada, preferindo as incursões pelos trilhos, onde me sinto mais à vontade, e onde o sacrifício inerente ao esforço que despendemos é recompensado pelas paisagens que se nos deparam.

No entanto, o desafio era aliciante e a partir do momento que é aceite é “para avançar”.

O destino tem destas coisas.

Fazemos planos, elaboramos estratégias, definimos objetivos e depois acontece algo que baralha e volta a dar, deitando tudo por terra. Literalmente.

Logo na primeira semana inscrita no plano de treinos, uma entorse de alguma gravidade atirou-me e aos meus planos por terra. Tudo se desmoronou … 

Apercebi-me pela recuperação demasiado lenta que ainda não seria desta que colocaria uma maratona no currículo.

Mais uma volta do destino . A Carla Ribeiro, minha mulher, tomou uma decisão arrojada e, partilhando embora a mesma preferência pelos trilhos, resolveu inscrever-se para esta maratona, confirmando-se assim a nossa ida a Sevilha.

Não pude acompanhar os treinos dos 2 candidatos a maratonistas.

Fui-me apercebendo de que o José Faria é um atleta meticuloso, não se afastando um milímetro do plano traçado.

A Carla, devido a horários complicados, só conseguia treinar a corrida aos fins de semana, intervalando com treinos de “spinning” durante a semana. Eu também me socorri das aulas do Vítor Ferro e do Márcio para conservar alguma capacidade cardio.

Graças à ajuda do gabinete de Fisio da Ana Lopes a recuperação vai-se dando. Depois interveio o Tiago Aldeia que já me tinha ajudado na recuperação de uma complicada lesão no joelho direito. Umas sessões de osteopatia e um plano de treinos bem delineado começam a surtir efeito, acelerando o processo. 

No entanto, os treinos de marcha que comecei a efetuar eram manifestamente curtos para tamanho desafio. Finalmente, três semanas antes da partida para Sevilha, começo a ensaiar as primeiras corridas, alternando com marcha rápida.

Começo a delinear uma estratégia que me permitiria acompanhar a Carla nos primeiros quilómetros de prova e depois “encostar” sem mais ambições. Quantos seriam esses quilómetros, dependia só do tornozelo …

E começa a aventura! 
Carla, eu e o troféu para o vencedor, na véspera da prova






O relato dos dias que antecederam a prova, já foi feito noutros lados pelos meus companheiros.









Depois de deixarmos roupa para muda na “Porta N”, dirigimo-nos para o local de partida.

Era um mar de atletas, de todas as idades e nacionalidades que se interpunham entre nós e o pórtico da partida.
Minutos antes do tiro de partida

A hora da partida aproximava-se rapidamente. Olho disfarçadamente para os meus 2 companheiros e vejo muita tensão. Eu, por outro lado, estou numa fleuma britânica, de quem nada tem a perder. Nem sequer era para estar ali, naquele momento …

Dado o tiro de partida, ecoa um enorme bruá da multidão e lá vamos nós, começando por descer a Av. D. Carlos III. Levamos cerca de 5 minutos até passarmos pelo ponto de partida e aí iniciamos os nossos relógios.

Sente-se uma enorme adrenalina em todos. Aquilo que temia começa a manifestar-se, pois tenho de suster o ímpeto da Carla que parte demasiado depressa. O Zé vai mantendo um passo certo e controlado.

Aos 5 km atravessamos uma das pontes que pulam o Guadalquivir e estamos na Porta de Jerez. Começamos a sentir o apoio dos populares que enchem os passeios para ver passar os “guerreiros”.

O percurso segue de perto o rio, enamorado com certeza pela sua beleza, mas aos 10 km o namoro interrompe-se e começamos a internarmo-nos na cidade.
Carla e Mário, primeiros kms de prova

Até aos 15 km sente-se um enorme espírito de festa entre os corredores. Todos falam com todos, perguntando-se quais as origens de cada um.

Vou estando atento aos sinais que o pé pudesse dar mas estava tranquilo porque por esse lado “não pasa nada” …

Começo a incentivar o Zé Faria para que ele ganhasse confiança e alargasse o passo. O treino estava lá e só restava pôr tudo em prática.

Ele começa a alargar o passo e acompanho-o mais um pouco até me aperceber que a Carla perdeu contato connosco. Paro e espero por ela, acompanhando-a até à “Media Maratón”, onde o relógio marcava 2:08.

Por volta dos 23 km as coisas começam a alterar-se. A festa já tinha acabado. A Carla começa a sentir dores num joelho e vai ficando para trás, fazendo-me sinal para não parar.

Surgem as dores no pé. Pianinho ao princípio mas sempre em crescendo.

Por volta dos 25 km começo a alternar marcha rápida com corrida. Entre dentes, vou contando até 60 e mudo de velocidade.

Lembro-me dos conselhos do Prof. Tiago e tento manter sempre a melhor postura possível, tentando também colocar o pé de forma a que doesse menos.

Felizmente vão aparecendo postos médicos onde o spray milagroso faz parcialmente jus ao nome. Uma dorzinha muscular irritantemente insistente desaparece de vez após a intervenção do dito spray. As dores do pé são mais persistentes e vão-me acompanhar quase até ao fim.

Começo a sentir algum calor, logo combatido com a água dos abastecimentos e a ajuda preciosa das esponjas embebidas que esfrego nas pernas. A sensação de frescura muscular é estimulante e empurra-me mais uns quilómetros.

Esta é de facto uma Maratona especial pela mais valia que representa a população de Sevilha. Nunca tinha visto igual. São fanáticos no seu constante apoio. Por vezes tive de correr mais cedo do que era suposto, devido ao incentivo que me era dirigido diretamente. Não podia desiludir aquele miúdo que me chamava “campéon”, a mim que era um dos corredores do pelotão dos últimos!




Cheguei a comover-me com este magnífico povo mas logo pensava que esta era ainda, e só, a altura de sofrer. O tempo de chorar seria após cortar a meta…

Aos 35 km o sonho começa a tornar-se realidade, não haveria já poder algum deste mundo que me impedisse de acabar. Recomeço a correr com maior desenvoltura. Atravessamos a zona da Alameda de Hércules, onde o povo forma um corredor estreito por onde passam os corredores. Esta gente, novos e velhos, homens e mulheres, não param um minuto de gritar. Chego a ver polícias de serviço a bater palmas e a incentivar-nos.

Chegam os 40 km. Pulamos de novo o rio Guadalquivir e sentimos a magia da “Isla Magica” a contagiar-nos. Está feito! Estás lá, meu velho!

O passo acelera-se, a emoção cresce, vou acelerando sempre, a dor esquecida a um canto. 

Está ali o estádio! Que sensação descer aquele túnel e entrar na pista olímpica!

Vou ganhar! Claro que vou ganhar. Corto a meta, sou um maratonista! 










Chegou agora a hora de chorar !!! E, também, de comemorar!!!


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